Daniel Miele Amado
Paulo Roberto Sousa Rocha
(Gestão 2011 - Jan 2021)
Sumário executivo
O objetivo do documento é elencar de forma objetiva, algumas prioridades para o desenvolvimento das Políticas Nacionais de Práticas Integrativas e Complementares no SUS - PNPIC e a de Plantas Medicinais e Fitoterápicos - PNPMF como políticas fundamentais para a reorganização do modelo de cuidado no SUS. Dessa forma, diversas outras ações devem ser realizadas em sinergia com ministérios e órgãos do governo, assim como diversas entidades de nossa sociedade para um avanço global da política de saúde.
Introdução: A reorganização das políticas públicas no Brasil é um passo fundamental para a garantia dos direitos fundamentais do ser humano e desenvolvimento de uma sociedade mais justa e com menos desigualdades sociais. A atuação conjunta de políticas públicas em diversos setores agindo de forma sinérgica podem impactar de sobremaneira a vida de nossa população, criando não só uma rede protetiva, mas também, oportunidades de desenvolvimento pessoal e coletivo. Entre as políticas públicas essenciais, estão o acesso a emprego e renda, educação, previdência e saúde, onde o Sistema Único de Saúde, é uma política transversal que influencia todas as fases da vida de um indivíduo, família e comunidade. A defesa de um SUS de qualidade, além de garantia constitucional, se faz necessário para atender de forma digna a população brasileira e quebrar uma lógica de mercantilização da vida. Sendo uma política complexa, onde diversos interesses se colocam em disputa, mas é umas das políticas públicas mais bem sucedidas, com diversas ações reconhecidas internacionalmente, como o enfrentamento da pandemia do Covid-19.
No entanto, o modelo de cuidado hegemônico atual, apesar de todos os esforços de mudança, ainda é fortemente assistencialista, curativista e influenciado por um mercado de medicamentos e equipamentos. Desta forma, diversas políticas do SUS, se fazem fundamentais para reorganização do cuidado, entre eles, a Atenção Primária à Saúde, à promoção da saúde, a educação permanente, as práticas integrativas e complementares em saúde, a de plantas medicinais e fitoterápicos, a de educação popular em saúde, entre outras.
As Práticas Integrativas e Complementares em Saúde - PICS, são amplamente defendidas pela Organização Mundial da Saúde - OMS, que tem apontado que a integração dessas abordagens de cuidado aos sistemas oficiais de saúde, contribuem significativamente para garantir uma saúde de qualidade para todos. Segundo a OMS, atualmente, dentre os Estados Membros, mais de 98 países possuem leis reconhecendo essas medicinas tradicionais. Como parte desse esforço global, em 2022, em parceria com a Índia, a OMS criou o Centro Global de Medicinas Tradicionais, de forma a impulsionar o desenvolvimento mundial destas práticas.
Atualmente, o reconhecimento das evidências científicas sobre os efeitos clínicos dessas práticas, tem levado à elaboração de diversos documentos de orientação à prática clínica produzidos por países e entidades renomadas na saúde como o NHS - sistema de saúde britânico, a Associação Americanas de Médicos, Associação Americana do Coração, entre outras. As PICS têm sido amplamente utilizadas para diversas condições de saúde, entre elas podemos ressaltar dores agudas e crônicas, saúde mental, controle de doenças metabólicas como hipertensão e diabetes, além de reabilitação física e cognitiva. Além do potencial clínico, muitas dessas práticas são consideradas tecnologias sociais utilizadas para promover a socialização, relações familiares e sociais saudáveis e o fortalecimento de redes cuidadoras.
A Eurocam, que reúne as principais entidades europeias neste campo, tem defendido o potencial dessas práticas para contribuir com a redução do uso de antibióticos e combater, assim, a resistência microbiana, um dos principais problemas emergentes de saúde pública.
Outros documentos, como o produzido pela Frente pela vida, “RECOMENDAÇÕES E ORIENTAÇÕES EM SAÚDE MENTAL E ATENÇÃO PSICOSSOCIAL NA COVID-19” reconhece a importância das PICS no campo da Saúde Mental. Já o Comitê Nacional para Promoção do Uso Racional de Medicamentos, em 2019, em seu documento “USO DE MEDICAMENTOS E MEDICALIZAÇÃO DA VIDA: recomendações e estratégias” reconhece essa política como fundamental para promover o uso racional de medicamentos e a desmedicalização do cuidado.
Neste esforço internacional, a Opas/OMS, tem atuado na região das Américas, promovendo a articulação entre os países. Podemos destacar algumas importantes ações como a construção de uma Biblioteca Virtual em Saúde, com a participação de mais de 15 países que formaram a Rede MTCI Américas: https://mtci.bvsalud.org/pt/
Ainda no âmbito de cooperação internacional, os países do BRICS, têm realizado encontros entres os Ministérios da Saúde com o intuito de desenvolvimento de parcerias no campo das Medicinas Tradicionais. Com isso, o potencial de parcerias bilaterais, norte-sul e sul-sul são amplas, para o desenvolvimento de tecnologia, conhecimento, práticas e culturas de cuidado.
Contexto: A PNPIC e a PNPMF foram instituídas em 2006 no governo Lula, e são marcos fundamentais para o desenvolvimento dessas ações no SUS. Desde sua publicação, decorridos 16 anos, a PNPIC não teve nenhum financiamento específico, ficando suas ações restritas a projetos de formação, pesquisa, e também a produção técnica de orientação para implementação desta política. No entanto, observa-se que o crescimento a partir destas ações somadas às iniciativas e interesse locais, promoveram um crescimento constante desses serviços, onde atualmente, existem mais de 17 mil estabelecimentos de saúde ofertam ao menos uma das 29 PICS reconhecidas pela PNPIC. Do total de estabelecimentos mapeados, mais de 15 mil estão na atenção primária, ou seja, na porta de entrada do cuidado no SUS, e muito próximo da população. Também, são realizados anualmente mais de 3.6 milhões de procedimentos de PICS. No campo das Plantas Medicinais, existem 13 fitoterápicos reconhecidos na relação nacional de medicamentos do SUS, mas diversas outras formulações são utilizadas nas Farmácias Vivas regulamentadas em 2012.
Diversas ações de capacitação e sensibilização foram realizadas nos últimos dez anos, onde mais de 200 mil profissionais e usuários do SUS foram sensibilizados em relação a essas práticas de cuidado. No que diz respeito a formação em Auriculoterapia, mais de 15 mil profissionais do SUS foram formados, e quase 30 mil profissionais participaram do Curso de Qualificação em Plantas Medicinais e Fitoterápicos na Atenção Básica, Módulo 1, disponibilizado na plataforma Ambiente Virtual de Aprendizagem do SUS - AVASUS
Existem até o momento, mais de 170 grupos de pesquisa na base do CNPq, que pesquisam no campo das PICS, demonstrando grande potencial para pesquisa, formação e extensão a partir das universidades brasileiras.
Diversos documentos técnicos, como Manual de Implantação das PICS, Informes de Evidências Científicas, Cadernos de Atenção Básica, Relatórios de Monitoramento, Mapas de Evidências Clínicas sobre o uso das PICS foram produzidos durante a gestão que compreendeu o período de 2011 a janeiro de 2021.
Apesar desses avanços, a Coordenação Nacional das PICS ainda é uma área informal no organograma do Ministério da Saúde, não possuindo financiamento próprio para organizar, planejar e incentivar adequadamente a implementação e o desenvolvimento desta política fundamental para o fortalecimento do SUS.
Apesar dos avanços conquistados nos 16 anos dessa política, a partir de fevereiro de 2021, muitos retrocessos marcaram a PNPIC, como a paralisação de projetos importantes,impactando de forma significativa no pleno desenvolvimento dessa política.Entre alguns dos retrocessos, podemos citar diversos cursos que seguiam em produção e já deveriam ter sido lançados para os profissionais da rede e população em geral, , documentos técnicos, pesquisas científicas, monitoramento, entre outras ações foram paralisadas pela gestão do Ministério da Saúde, prejudicando o desenvolvimento das PICS no SUS.
Desafios: Entre os desafios estão, a organização institucional das PICS no organograma do Ministério da Saúde; a definição de orçamento anual para desenvolvimento de ações de gestão; a formação adequada de profissionais voltadas para o SUS, a partir de programas de residência, e reorganização das graduações, além de projetos de educação permanente voltados aos trabalhadores do SUS; a inclusão das PICS na agenda de pesquisa do SUS, e a produção de documentos técnico-científicos voltados à implementação dessa política e orientação clínica dos trabalhadores; o fortalecimento e evolução do monitoramento e avaliação dessa política, incluindo indicadores de custo-efetividade; a retomadas das cooperações internacionais para o desenvolvimento do SUS, de tecnologias, práticas de cuidado e pesquisa; e retomada e reconstrução de uma agenda das Plantas Medicinais e Fitoterápicos no SUS, e de toda a cadeia produtiva, incluindo a agricultura familiar e extrativistas, a partir conservação da sociobiodiversidade e geração de renda; o complexo industrial da saúde; o incentivo a pesquisa e inovação; e soberania nacional na saúde a partir do aproveitamento consciente da nossa biodiversidade.
Ações prioritárias:
1. Retomada do Programa de Plantas Medicinais e Fitoterápicos e da Assistência Farmacêutica que reconhece:
“à utilização das plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos no processo de atenção à saúde, com respeito aos conhecimentos tradicionais incorporados, com embasamento científico, com adoção de políticas de geração de emprego e renda, com qualificação e fixação de produtores, envolvimento dos trabalhadores em saúde no processo de incorporação desta opção terapêutica e baseado no incentivo à produção nacional, com a utilização da biodiversidade existente no País;” (Política Nacional de Assistência Farmacêutica, 2004)
O campo das Plantas Medicinais é amplo e intersetorial, e depende de uma ação integrada de vários Ministérios, no que tange ao Ministério da Saúde se indica algumas prioridades:
Disseminar os cursos sobre Plantas Medicinais e Fitoterápicos existentes;
Produzir materiais de comunicação para a população sobre uso correto de Plantas Medicinais ;
Lançar o curso de plantas medicinais e fitoterápicos para tratamento de feridas na atenção básica, paralisado na última gestão;
Financiar a implementação de Farmácias Vivas como modelo potente de ampliação do uso de plantas medicinais pela população;
Reconhecer e financiar outros modelos de serviços de plantas medicinais, como as ervanárias, os jardins e hortos terapêuticos.
Incorporar novos medicamentos fitoterápicos na lista da RENAME;
Criar uma política de aquisição de Plantas Medicinais para o SUS, com prioridade à agricultura familiar e extrativistas, e controle de qualidade a partir de laboratórios públicos conveniados.
Fomentar uma agenda de pesquisas em Plantas Medicinais de interesse do SUS, para uso de nossa biodiversidade, ampliando nossa soberania nacional e diminuindo dependência de medicamentos e produtos estrangeiros;
2. Fortalecimento das PICS em linhas de cuidado prioritárias, a partir das evidências científicas já produzidas:
Doenças crônicas (Hipertensão, Diabetes, entre outras);
Dor aguda e crônica;
Saúde Mental;
Saúde da Mulher e criança;
Saúde do Idosos;
Saúde do Trabalhador; e
Reabilitação física e cognitiva.
3. Fortalecimento da promoção da saúde e bem estar, da população e dos trabalhadores da saúde a partir de programas online e locais:
Criar programas de meditação, Yoga, Tai Chi, Automassagem, e outras práticas para promoção da saúde de forma integral;
Criar o Programa de Promoção da Saúde e Bem Estar do Trabalhador de Saúde, a ser implantado nos serviços do SUS.
Criar programa de cuidado com “Chá”, resgatando os conhecimentos tradicionais e integrados aos saberes científicos para questões do dia a dia, incentivando o consumo consciente de Plantas Medicinais, fortalecendo a economia e agricultura local, e diminuindo o consumo de medicamentos industrializados internacionais.
4. Retomada da agenda de pesquisa para fortalecimento do SUS, do complexo industrial da saúde e ampliação das ações de promoção da saúde da população e do trabalhador.
Inclusão das PICS na agenda nacional de pesquisa de interesse do SUS,
Promoção de Editais específicos de PICS para nortear a gestão do SUS e orientar os profissionais e a população sobre o uso correto de PICS;
A formulação de documentos técnicos-científicos sobre as evidências científicas para melhor uso das PICS em condições de saúde prioritárias.
5. Orientação da Formação para o SUS e no SUS;
Continuidade e lançamento dos diversos cursos em temáticas das PICS paralisados na última gestão;
Inclusão das PICS nas residências médicas e multiprofissionais promovidas pelo Ministério da Saúde;
Inclusão das PICS nos programas de reorientação das graduações em saúde, promovidos pelo MS;
Promoção de novos cursos em PICS.
6. Fortalecimento do monitoramento e avaliação das PICS no SUS
Retomar o monitoramento dos serviços, procedimentos e políticas estaduais e municipais de PICS;
Formulação de indicadores de processo e resultado da implementação das PICS;
Criação variáveis de registros para Centros de PICS, nos sistemas de informação do SUS;
Realização de estudos de custo-efetividade e modelos de implantação para orientação da gestão do SUS;,
7. Cooperação internacionais
Fortalecer a cooperação com organismos e grupos internacionais como OPAS/OMS, BRICS, EUROCAM;
Promover cooperação com os países das Américas, Europa, África e Ásia.
Considerações: A Consolidação de políticas públicas como a PNPIC e a PNPMF, estão integradas a políticas maiores como o próprio SUS, e se faz necessário sua integração com outras políticas, como a de Atenção Básica, de Promoção da Saúde, Atenção Domiciliar, entre outras. Da mesma forma, outras ações necessitam de ações articuladas a outros ministérios, como educação, trabalho, ciência e tecnologia, agricultura, entre outros. Assim, esse documento não esgota as ações e articulações necessárias para o desenvolvimento dessas políticas públicas, mas pretende fomentar o debate e dar pontos de reflexão para a nova gestão do Ministério da Saúde a desenvolver essas políticas públicas. Segue ainda outro documento mais extenso, produzidos na gestão anterior ao desmonte, como mais um elemento norteador: https://www.picsnapauta.com.br/post/planejamento-em-pics-2020
Excelente artigo Daniel.
Fundamental a presença nessa retomada. E buscar sedimentar essas políticas para que fiquem imunes às mudanças de governos.
Seria possível transformá-las em Estratégias, como foi feito com a Saúde da Família?
Parabéns equipe das PIC, o documento é muito mais que pertinente, é essencial para que o coletivo dos atores se organize e colabore para o sucesso desta iniciativa de reflexão, com vista a avançar para o campo propositivo acorde com as necessidades da cada PIC.